segunda-feira, 19 de março de 2012

CULTURA E O ENSINO LÍNGUA ESTRANGEIRA


Por que é importante incluir “cultura’ no ensino de línguas? E o que é cultura?

Vamos começar com a segunda pergunta. Há muitas definições para cultura. Há centenas de definições. Há por exemplo a idéia de Cultura com C maiúsculo, que caracteriza o conhecimento das artes, música erudita, História, etc. “Essa pessoa é culta.” Não é a essa ideia de cultura que me refiro. Também há a ideia de cultura como o conjunto de manifestações que expressam a cultura de um povo como o folclore com suas danças, seu artesanato , suas comidas típicas... Tampouco é a esta definição que me refiro. Usarei a definição de cultura como um conjunto de ideias, crenças e valores que um determinado grupo compartilha, muitas vezes sem sequer se dar conta disso. São essas ideias , crenças e valores que dão ao indivíduo a sensação de pertencer a um grupo (nacionalidade, por exemplo) e não a outro.
Esse conjunto determina, por exemplo, quais comportamentos são aceitáveis e quais não o são para aquele grupo. Como temos a tendência natural de enxergar o mundo a partir de nós mesmos, - o que eu (e o grupo a que pertenço) faço é NORMAL – percebo minhas crenças e valores a partir da estranheza que me causam as diferenças observadas no outro grupo.
Mas o que isto tem a ver com ensino e aprendizado de línguas? Independente da motivação individual para o aprendizado de uma nova língua (lazer, trabalho, estudo), todos tem um propósito comum: comunicação. E quando há cominicação surge a possibilidade de malentendidos tanto por questões linguísticas quanto por questões culturais, que ultrapassam a esfera da palavra.
Vejamos alguns exemplos. Para um cidadão norte americano é motivo de orgulho e tópico de conversa o valor que se pagou por uma casa ou um carro. Portanto, lá nos Estados Unidos não é motivo de constrangimento perguntar “How much did you pay on this house?” (Quanto você pagou por esta casa). Os coreanos tem o costume de, ao conhecer uma pessoa, perguntar quantos anos a pessoa tem – homem ou mulher. Americanos, canadenses e muitos europeus valorizam o “personal space”, ou seja, o espaço físico que deve-se manter entre pessoas. O apertar de mãos delimita este espaço. Aqui no Brasil, nem tanto... Bebidas alcólicas são normalmente consumidas em reuniões de negócios na China.
Que estranho? Eles devem pensar o mesmo de nós. É bastante óbvio que não é possível abordar todas as diferenças em todas as culturas. Mas o simples fato de podermos enxergar diferentes culturas como DIFERENTES ao invés de MELHOR ou PIOR, é um bom começo.
Na língua, propriamente dita, há aspectos que, mesmo quando não de “questão de vida ou morte”, trazem um colorido ao aprendizado. Saber que o animal que designa uma mulher gorda não é a baleia (whale) mas sim uma vaca (cow); que a cor da inveja no inglês não é roxo, mas sim verde;  e que usar um chapéu com “antlers” (chifres de veado), como se vê no deaenho animado Os Flinstones, não tem o mesmo significado que tem para nós brasileiros, permite que possamos apreciar mais a língua e o intercâmbio cultural.
Ensinar e aprender uma língua estrangeira não se restringe a um simples “passar e absorver” um conjunto de regras gramaticais, uma lista de vocabulário, ou nem mesmo de frases prontas para “se virar” em situações específicas. Há  validade em tudo isto, mas não é só. Um bom comando da língua engloba muito além de palavras e estrutura. Engloba cultura, o saber o como e  o quando, o guia de instruções.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Legendagem: dá para ser perfeito?



Por que aprender inglês?
Cada um tem seu motivo – ou motivos.
Um deles certamente é “poder entender filmes e música”. Poder assistir a filmes, a séries de TV sem se preocupar com as legendas é  motivação de muitos.
Mas enquanto isto não é possível, e também porque entender 100% é uma tarefa bastante desafiadora, as legendas fazem parte do dia-a-dia da maioria dos brasileiros – estudantes ou não de língua inglesa.
Não são poucos os problemas encontrados nas legendas. A qualidade das traduções feitas para filmes, seriados e outros programas é frequentemente questionada. Não foge muito da realidade, dizer que praticamente ninguém elogia o trabalho de tradução bem feito após assistir a um filme ou a um episódio de série estrangeiro, mas que expectadores percebem e se irritam com traduções mal feitas.
Confesso que, como professora que sou, acabo sempre pensando em como utilizar esta ou aquela cena de um determinado filme ou episódio nas minhas aulas. Não só “procurando” erros de tradução, mas também observando saídas criativas para situações difíceis no processo tradutório. Filmes e séries são material riquíssimo para a sala de aula: coloquialismos, expressões idiomáticas, até mesmo estruturas gramaticais podem ser ilustrados. Mas isso é tópico para outro dia...
As situações observadas englobam desde erros mais grosseiros de tradução como, por exemplo, troca de números ou dias da semana, até erros que, acreditamos, estão mais relacionados a questões culturais.
Para entender melhor, pergunto: como se deve fazer uma tradução? Palavra por palavra, onde o papel do tradutor se restringe a um trabalho de codificação  e recodificação, ou seja, passa-se exatamente as palavras do texto em inglês (neste caso) para o português? Será que funciona sempre? Ou talvez deva-se procurar na língua portuguesa uma estrutura (frase) equivalente ao que encontra-se no texto original (inglês)?
Veremos que, para um resultado mais “natural”, a busca de equivalentes é de fato mais interessante.
Então, o que é necessário para uma boa tradução? Um bom comando das duas línguas. Parece óbvio. Mas não basta.
Observe o seguinte exemplo. Em um seriado (confesso que não consigo me lembro qual) uma personagem fala algo como:
He called me a cow!
“Ele me chamou de vaca.” Certo ou errado? ERRADO no contexto. Cow, quando se refere a uma mulher, significa gorda. Se o tradutor quiser manter ao uso da expressão idiomática com a figura de um animal, dirá “Ele me chamou de baleia.” Convenhamos, há uma grande diferença no sentido.
Este exemplo ilustra a importância do conhecimento que o tradutor deve ter das duas culturas em questão: ele traduz uma realidade cultural, ou seja, aspectos pertencentes à cultura do texto original terão que fazer sentido para o leitor do texto traduzido.
Mas há situações em que o trabalho do tradutor é ainda mais desafiador, e às vezes é simplesmente impossível.
Celebrações de outras culturas talvez merecessem uma nota de rodapé, o que, por motivos óbvios, não é possível em legendagem. Halloween[i] ou Dia das Bruxas?. Hoje nas séries de TV tem-se optado por usar o termo Halloween. Ótimo, já que o Halloween não celebra bruxas! Pelo contexto e imagens o expectador entende que é um dia em que as pessoas se fantasiam e que tem algo a ver com fantasmas, espíritos e até bruxas.  
Valentine’s Day é realmente o Dia dos Namorados? Não exatamente. No caso do Valentine’s Day  (14 de fevereiro), os tradutores têm optado por Dia dos Namorados. De certa forma fica estranho porque nós celebramos este dia com namorado/a, esposo/a, companheiro/a. Eles, não necessariamente. Pode-se ter um encontro (date) com uma pessoa nesse dia, e esta será seu Valentine. Crianças fazem cartões de Happy Valentine e entregam a amigos, pais, avós... Usar o nome em inglês é uma escolha do tradutor, mas certamente evitaria certas situações bastante estranhas.
Às vezes, como já disse, a tradução simplesmente não é possível. No desenho animado Procurando Nemo, a certa altura, os dois peixinhos Marlin e Dory estão na superfície do mar sendo atacados por um pelicano. Dory exclama “Duck!” e é respondida pelo amigo, “It’s not a duck, it’s a pelican!” (“Pato!” “Não é um pato, é um pelicano!”) Na realidade, trata-se de um trocadilho que só é possível em língua inglesa, pois o verbo to duck significa abaixar-se, esquivar-se. O que ela realmente disse ao amigo,foi para que ele se abaixasse e se protegesse do ataque do pássaro. Ela usou o imperativo de um verbo; ele interpretou como um substantivo. Paciência! Não há o que se fazer. Estes trocadilhos são bastante comuns em séries de comédias como Two and a half men, The big Bang theory, por exemplo.
A criatividade do tradutor entra em jogo para compensar um trocadilho por outro em local onde seja possível fazê-lo.
Existem também situações em que a imagem (filme) “atrapalha” a vida do tradutor. Pica-pau. Quem não se lembra de situações em que o pica-pau recebe uma lata escrita “nuts”, abre, come tudo, e depois todos os seus dentes se quebram? Lembram-se do que tem dentro da lata? Não são “nozes” (como na tradução)ou qualquer “fruta seca, tipo amêndoas, castanhas”. São porcas (de parafuso). Pois é. Nuts pode ser frutas secas (nozes) OU porcas de parafuso. E aí? Como resolver a questão? Não dá. Paciência... Já que estamos falando de Pica-pau, quando ele faz alguém de bobo, passa a perna em alguém, às vezes o personagem se transforma em um pirulito, no qual está escrito “sucker”. Algo tipo bobão, tolo. Por que um pirulito? “Sucker” é um substantivo que realmente quer dizer tonto, bobão.  Mas o verbo “suck” é “chupar (pirulito)” Portanto, o pirulito seria um “sucker”. Mais um exemplo de trocadilho. Outra situação do tipo “deixa prá lá...” Se não se lembram, assistam. É bastante frequente.
O tradutor ainda se depara com situações que a grande maioria dos expectadores desconhece. Uma é da censura. É. É verdade. Há censura interna. Há uma lista de termos que simplesmente não podem ser usados. Um canal (ou editora) pode aceitar´”traseiro”, mas não “bunda”, por exemplo... Isso tira o “colorido” de algumas comédias. Para se referir a esta parte do corpo temos várias palavras possíveis com bumbum, nádegas e sabe-se lá quantas mais. E são usadas em contextos bem distintos: com uma criança, em uma consulta médica, entre namorados.... Se posso usar só um ou dois... Séries com piadas mais “picantes” como “Two and a Half Men” e “Sex and the City” sofrem mais com isso. Mas é verdade também que a palavra “suja”, o palavrão ou o xingamento escritos são mais fortes que os falados, o que interfere no trabalho de tradução, principalmente quando destina-se à televisão.
Uma particularidade do trabalho do tradutor de legendas é o espaço na tela e o tempo que leva-se para ler. Tomemos filmes do diretor Woody Allen. Os personagens dele falam MUUUIIITO. Não há como se colocar na tela tudo que eles falam. Cobriria metade da tela e ainda não daria tempo de ler. Outro exemplo é a série Gilmore Girls. Mãe e filha são verborrágicas. O jeito é “resumir”: pegar a ideia geral e reescrever de modo que caiba nas duas linhas e no tempo adequado.
As condições adversas como baixos salários, prazos absurdos,  originais às vezes de péssima qualidade; e, finalmente, o pouco treinamento dos tradutores, tendem a resultar em traduções de baixa qualidade. Tenho, no entanto, observado uma melhora na qualidade. Ainda há erros. Alguns absurdos. Mas há também saídas criativas para situações difíceis.
Agora, convenhamos, nada substitui o original... keep on studying!


[i] Halloween (um diminutivo de All Hallows 'Evening) , também conhecido como All Hallows' Eve, é um feriado anual observado em 31 de outubro, a noite antes do Dia de Todos os Santos. De acordo com alguns estudiosos,a celebração incorpora as tradições dos festivais de colheita pagãos e festivais em honra dos mortos de origm celta. Atividades típicas incluem trick-or-treating(crainças fantasiadas vão de casa em casa pedindo doces), festas a fantasia,  jack-o'-lanterns (morangas com olhos e bocas recortados iluminados por vela), fogueiras , atrações mal-assombradas, contar histórias assustadoras e assistir a filmes de terror.